A QUESTÃO DO ÍNDIO NO PERÍODO COLONIAL ATÉ OS DIAS ATUAIS
Índio sorri, índio sabe muitas coisas. Os antepassados ensinaram-lhe a trabalhar apenas o necessário e a dividir tudo o que se produz. A terra, como bem de produção, pertence a todos. Só alguns instrumentos de trabalho - machado, cestos, arco e flechas - podem constituir propriedade individual.
Quando os europeus aqui chegaram, os indígenas eram quase 2 bilhões. Em 1970 eram cerca de 50.000. Foram lentamente dizimados por brancos que não entendiam sua cultura , escravizavam-nos, expulsavam-nos de suas terras , transmitiam-lhes doenças contra as quais não tinham resistência. No decorrer de quatro séculos, grupos tribais inteiros desapareceram completamente.
Atacados e defendidos, objeto de estudos e controvérsias, tema de conferências no plano internacional , quem são os índios do Brasil, como vivem, qual a sua situação atual ?
DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS
Em 1957, o etnólogo Darcy Ribeiro dividiu a população indígena brasileira em 143 grupos tribais. Estes são bastante diferentes entre si, inclusive nas características físicas: certos grupos Tupi, por exemplo, têm estatura baixa, enquanto os gaviões são muito altos.
Também as línguas que falam não são as mesmas. Foi necessário agrupá-las , de acordo com a sua origem, em troncos lingüísticos . Assim , os Maué e os Xetá falam línguas diferentes, mas estas pertencem ao mesmo tronco, o Tupi. (Da mesma forma , o inglês e o português pertencem ao mesmo tronco lingüísticos - o indo-europeu). Os principais troncos lingüísticos dos indígenas brasileiros são o Tupi, Aruaque, Caribe e Jê.
A maior parte organiza-se em tribos - grupos de indivíduos cujas aldeias ocupam áreas contíguas. Os membros de uma tribo falam a mesma língua, têm os mesmos costumes e geralmente possuem origem comum. O mais importante, porém, é o sentimento de unidade que faz os indivíduos se identificarem com a sua própria tribo. Graças a isto, mantêm-se coesos mesmo quando não há nenhum chefe ou conselho cuja autoridade se estenda a toda a tribo.
A LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA
É através de seu trabalho que os índios conseguem obter os alimentos de que necessitam: caçam, pescam, coletam alimentos, plantam. Nesta luta permanente, não contam senão com instrumentos rudimentares, mas eficientes. Eles mesmos os fabricam, a não ser quando trabalham com facões, pás e enxadas fornecidos pelos brancos.
Para as tribos que não domesticam animais, a caça é o único meio obter carne.
E para isso precisam ter uma série se conhecimentos importantes sobre a região, suas plantas e frutos, e os hábitos dos animais, para saberem onde melhor procura-los e espera-los.
As várias tribos dão diferente importância à caça, e algumas estabelecem restrições ao consumo da carne de alguns animais. Mas, de maneira geral, a caça é praticada em quase todos os grupos indígenas, e pode ser realizada individual ou coletivamente. As técnicas também variam conforme a tribo e o animal procurado.
Também a pesca é muito comum. Quando não utilizam armadilhas, fisgam os peixes com flechas, sem auxílio de nenhum outro recurso, onde as águas são claras e mansas. Se não, empregam vegetais com propriedades de matar ou atordoar os peixes; em seguida são fisgados. Fazem, também várias armadilhas, algumas bastante engenhosas. Ë o caso do cacurí - cercado de varetas com uma abertura que cede com a força do peixe e fecha-se em seguida com a pressão da água.
Algumas tribos, como os Uaupés, conservam o peixe por muito tempo, assando-o e defumando-o em fogo lento. Fazem também farinha de peixe, utilizando o pilão.
Os indígenas praticam também a coleta de frutas, caules e raízes de vegetais não cultivados. Coletam, ainda, material para o fabrico de seus instrumentos - fibras para cordas, cana para fabricação - e também, plantas medicinais, argila para pintar o corpo, etc.
A agricultura é praticada por quase todas as tribos indígenas brasileiras. A técnica utilizada é a da coivara : queimam determinada área da floresta e limpam o terreno dos pedaços de troncos , fazendo então o plantio.
As roças de algumas tribos têm aspecto bastante peculiar: o terreno é irregular e as diversas plantações - de banana, mamão, mandioca, etc. - crescem misturadas, distinguindo-se pela altura relativa dos pés.
De uma tribo para outra, varia tanto a importância dada à agricultura quanto as espécies cultivadas. E, para as tribos que não a conhecem, a coleta é o único meio de obter alimentos de origem vegetal.
A ORGANIZAÇÃO SOCIAL
Nas sociedades indígenas, a forma de organização está profundamente ligada com as limitações impostas pelo meio geográfico e as técnicas utilizadas para daí tirarem os recursos necessários à sobrevivência.
Não há necessidade de especialização de funções, existindo apenas a divisão de trabalho por sexo e idade. Assim, cada homem sabe fazer tudo o que os demais fazem, e outras. Conforme a tribo, certas técnicas - como cestaria, cerâmica, tecelagem - são exclusivas de um dos sexos. Isto não elimina as diferenças individuais, pois um trabalhador pode ser mais hábil que outro na execução da mesma tarefa.
De modo geral, cabem às mulheres as atividades culinárias e o cuidado com as crianças, além de partilharem com os homens o plantio e a colheita. Os homens dedicam-se às atividades guerreiras, à caça, à pesca e à derrubada da floresta para lavoura.
Como todas as famílias fazem a mesma coisa, não há comércio entre os membros da mesma tribo, mas apenas entre tribos diferentes. Em certas regiões, cada sociedade se especializa em algo que as outras não produzem, ou pode ter em seu território coisas que outras não possuem. Os Vaurá, do alto Xingu , por exemplo, são exímios ceramistas, e seus vasos e potes são procurados por todos os índios da área.
Em geral, a sociedade indígena não está dividida em camadas hierárquicas. A produção apenas atende às necessidades de sobrevivência, não havendo abundância que permita a alguns indivíduos não trabalhar. Não há propriedade particular da terra, e o comércio entre tribos diferentes não visa ao lucro. Devido a este conjunto de fatores, não se forma uma classe dominante, como a de guerreiros ou sacerdotes: todos participam da produção em igualdade de condições.
O casamento para os indígenas é uma aliança entre grupos, e nunca interessa apenas aos noivos. Um Xavante, por exemplo, procura casar-se com uma ou mais mulheres da mesma família em que estão casados seus irmãos, evitando assim a dispersão dos membros da mesma linhagem.
A organização familiar é bastante diferente de tribo para tribo. Embora predomine a forma de casamento monogâmico, algumas tribos admitem a poligamia . O homem Xavante, por exemplo, pode ter mais de uma mulher (poliginia), enquanto a poliandria (uma mulher casada com mais de um homem) é muito rara e só ocorre em casos esporádicos.
A única afirmação geral para as relações de casamento entre os indígenas brasileiros é que nenhuma sociedade permite o casamento do homem com a própria mãe, irmã ou filha. Tais relações são consideradas incetuosas. Nisto, todas elas concordam. Divergem, entretanto, quanto aos demais parentes.
ARTE E CIÊNCIA
Uma das características da arte indígena é o fato de raramente um objeto ser feito com o fim exclusivo de ser um objeto de arte. É fabricado os necessários instrumentos e utensílios que os indígenas mostram seus dons artísticos. Da mesma forma, o canto e a dança tem o objetivo em si mesmos: destinem-se, antes de tudo, aos rituais.
Algumas tribos destacam-se em uma ou outra forma de arte. Há as que se projetam pela cerâmica, outras pelas esculturas em madeira ou pedras, outras ainda pela esmerada pintura corporal.
Entre os Carajá a mulher pode, em certas ocasiões cerimoniais, pintar-se com um desenho característico dos homens jovens, ou qualquer outra de sua invenção. Mas isto não é regra. Geralmente, a pintura corporal entre os indígenas obedece as normas determinadas, pois serve para destinguir os grupos que se divide a sociedade.
Os belos colares, diademas, braceletes e outros objetos que os índios confeccionam com penas são bastante conhecidos. Chama-se a isto arte plumária. Mas esses enfeites não são de uso permanente, como às vezes se pensa. Nenhum índio o estragaria no trabalho da roça ou em caçadas. Os adornos pessoais são usados apenas em certas ocasiões, como na realização de cerimônias.
Outra forma de arte plumária , pode ser considerada uma transição entre esta e a pintura corporal, consiste em colar penas sobre o corpo. É muito comum entre os Timbira.
Para mudar a cor das penas (tapiragem) existem vários métodos. No caso dos papagaios, uma dieta rica em gorduras faz com que o verde e o azul tendam para o amarelo.
Algumas tribos são famosas por seus trabalhos em cerâmica. É o caso dos Carajá , cujos trabalhos são muito valorizados comercialmente nas cidades. As figurinhas da fase moderna (posteriores a 1940) representam grupos, reproduzindo cenas da vida cotidiana. O colorido é mais intenso e as figuras parecem estar em movimento, sentadas, deitadas, e não apenas em pé, como na fase anterior.
Algumas tribos, como os Kaingang e os Bororo, têm uma cerâmica mais simples. Porém, mesmo as mais elaboradas, não são feitas com auxílio da roda de oleiro.
Para transportar alimentos, guardar objetos, etc., São utilizados cestos feitos com palha trançada . As formas dos cestos, o tipo de palha empregada e a técnica variam de tribo para tribo. E os estilos são tão bem definidos que um etnólogo, ao examinar um cesto, pode dizer de que região ou mesmo de que tribo procede. Fabricam também esteiras, para diversos fins: para dormir, forrar ou cobrir alimentos e , às vezes, enterrar os mortos.
Vivendo em permanente contato com a natureza, os índios aprenderam, em muitos aspectos, a conhece-la e a utiliza-la. Ao lado de sua visão mágica dos processos naturais, desenvolveram também conhecimentos válidos sob o ponto de vista científico, importantes em sua luta pela sobrevivência.
Os Tupinambá previam a vinda do período chuvoso pelo aparecimento de certas estrelas, e sabiam que as grandes marés se verificavam tantos dias depois da lua cheia e da lua nova. Os Caraó sabem que, estando a Via Láctea no meio do firmamento, a estação chuvosa está para começar(é agosto).
Além disso, os indígenas conseguiram sintetizar vários venenos; o curare, por exemplo, de origem vegetal, que produz a morte rápida por paralisia do animal ferido por flecha. Foram os primeiros a extrair o látex da seringueira, fabricando bolas de borracha. Descobriram que, retirando o veneno da mandioca - brava, ela se tornava comestível. Grande parte utiliza vegetais como anticoncepcionais e como alucinógenos.
Estes são apenas alguns dos muitos conhecimentos que acumularam. Eles são fruto de uma observação ativa e pacientes experiências, demonstrando uma atitude objetiva diante da natureza.
UMA LONGA HISTÓRIA DE EXTERMÍNIO
Nas tribos que, em maior ou menor grau, mantiveram contato com os brancos, em todos os planos verificaram-se modificações: nos costumes, na religião, no vestuário, nos utensílios e instrumentos (antes do contato, os índios não conheciam o ferro). O branco alterou o habitat dessas tribos, expulsou algumas de seus territórios tradicionais, agrupou tribos diferentes, forçou a modificação de antigos costumes, procurando integrar esses povos na sociedade nacional. Pode-se dizer que já não existem mais culturas indígenas brasileiras originais. A influência do branco foi profunda: levou ao extermínio cultural.
Mas os indígenas foram dizimados também fisicamente. Uma das razões foram os seguidos conflitos com os brancos, causados principalmente por dois problemas: a conquista de terra e a busca de mão-de-obra. Este último já praticamente havia deixado de existir, pelo menos em proporções alarmantes, mesmo antes da abolição da escravatura.
O escravo índio, não imunizado contra as doenças européias, com traços de cultura absolutamente diferentes, pequena produtividade e curta vida útil, desinteressou ao colono português, que passou a preferir o escravo africano. Mas, até meados do século XVIII, partiam ainda de São Paulo as conhecidas Entradas e Bandeiras, com o objetivo de capitular índios.
A posse da terra foi contínua sendo o maior motivo para choques entre brancos e índios. Na expansão de suas atividades econômicas, o branco invade as terras pertencentes aos indígenas com gado e plantações, considerando-se no direito de expulsa-los da terra que secularmente lhes pertence. E estes com recursos inferiores, quase sempre são dizimados.
DO CICLO DO OURO ATÉ HOJE
No ciclo do ouro, quase desapareceram os Cayapó da região meridional de Goiás e do Triângulo Mineiro. No Maranhão, os índios Timbira foram expulsos de suas terras pelos criadores de gado. Estes, avançando mais tarde pelo centro do Brasil, entraram em conflito com os Xavante e os Cayapó.
No século XX, a luta continua: os paulistas avançam para o noroeste enfrentando os Kaingang. No Paraná e Santa Catarina, eram os Xokleng que lutavam contra os colonos alemães e italianos que tentavam desalojá-los. O mesmo problema na Amazônia, com os seringueiros e coletores de castanha-do-pará. E os conflitos continuaram com a redivisão de propriedade, feita a partir do início da construção da Transamazônica e da Cuiabá - Santarém.
Quando não são os choques com os brancos, são as doenças por esses transmitidas que exterminam os indígenas. Gripe, sarampo, tuberculose, doenças venéreas, são moléstias contra as quais os índios não tem resistência. Os Kaingang de São Paulo, por exemplo, foram reduzidos de 1.200 a 87, devido a uma epidemia de gripe e sarampo.
E AS MEDIDAS DE PROTEÇÃO?
Algumas tentativas têm sido feitas no sentido se solucionar p problema do índio brasileiro. O pioneiro de uma política indigenista foi Cândido Mariano da Silva Rondon, oficial do Exército e neto de índios. Em 1910, sob sua inspiração, foi criado o SPI (Serviço de Proteção aos Índios). De acordo com os princípios estão trançados, os índios deveriam ter reconhecido o direito de viver conforme suas tradições; ficava proibido o desembarcamento da família indígena, mesmo sob pretexto de educação e catequese dos filhos; garantia-se a posse coletiva pelos indígenas das terras que ocupavam, e outras medidas mais. No entanto, sem suficientes recursos materiais e humanos, e enfrentando os interesses dos fazendeiros do interior e de várias empresas, o SPI não cumpriu suas finalidades. Foi extinto em 1967, e substituído pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio) , órgão subordinado ao Ministério do Interior e com as mesmas funções, ampliadas do antigo órgão.
As reservas indígenas existentes no país (11 parques nacionais ao todo) pretendem dar aos índios um lugar só deles, para que se reorganizem socialmente, preservando suas populações e culturas. Existe, por exemplo, o Parque Nacional do Xingu, onde vigora um regime que permite a aproximação de várias tribos, hoje com culturas semelhantes (cultura xinguana).
UM CONGRESSO PELO FUTURO
Em agosto de 1972, em Brasília, reuniram-se as delegações de 7° Congresso Indigenista Interamericano, para discutir as diretrizes básicas das políticas indigenistas de seus respectivos países.
Foi aprovada a recomendação brasileira de que seja assegurada aos índios, além do direito a posse e usufruto permanente da terra, a aquisição da plena capacidade civil, sem prejuízo da sua identidade étnica e cultural.
Na mesma semana, porém, os jornais publicavam que, em Mato Grosso, índios da tribo Xavante estavam dispostos a defender com armas o seu direito à terra invadida por colonos brancos, que por sua vez exibiam títulos de propriedade aparentemente legais. Assim, de contradição em contradição, continua incerto o futuro dos índios do Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário