O programa debate as influências da Guerra Fria sobre a produção cultural em todo o mundo, e a utilização dos valores culturais como instrumento de propaganda ideológica.
O poder da imagem torna-se questão estratégica durante o século XX, com o desenvolvimento de mídias de grande impacto, como a fotografia, o cinema, o rádio e a televisão. Durante a Guerra Fria, comunistas e capitalistas servem-se dos meios de comunicação e de todas as formas de produção cultural para difundir seus ideais de vida em sociedade.Depoimentos do jornalista Arbex Jr., do historiador Nicolau Sevcenko e do escritor e jornalista Antônio Bivar.
Toda sociedade costuma produzir uma imagem ideal a respeito de si mesma. É a partir dessa imagem que ela gosta de se enxergar, e que gostaria de ser lembrada no futuro. Nos grandes centros urbanos, a sociedade procura fazer-se notar através de obras que denotam progresso, riqueza e modernidade.
Edificações gregas: grandiosidade | No decorrer da História, muitos povos passaram à memória da humanidade através de edificações suntuosas, como as pirâmides erguidas por ordem dos faraós do Egito, e os magníficos edifícios e templos do Império Romano e da Grécia Antiga. É claro que a perspectiva grandiosa corresponde sempre ao ponto de vista de quem está no poder. São os poderosos que têm motivações para glorificar sua época. E são eles que possuem os meios para criar monumentos e produzir imagens. |
Um escravo do tempo dos faraós, por exemplo, que trabalhou duro na construção de uma tumba, provavelmente não teria um depoimento muito favorável sobre sua própria época. A imagem ideal de uma sociedade realça sempre as suas qualidades e procura esconder ou minimizar os aspectos negativos. Essa tendência fica mais acentuada quando um país está em guerra. Nesse caso, é essencial que se produzam imagens para estreitar a união do povo e estimular o espírito de luta dos soldados e das nações. Nos períodos de guerra, representações visuais e sonoras carregadas de simbolismo, como a bandeira e o hino nacional, são fundamentais para se manter em alta o ânimo de um exército em luta.
O poder da imagem no século XX
O poder da imagem tornou-se questão estratégica durante o século XX, com o desenvolvimento de mídias de grande impacto como a fotografia, o cinema, o rádio e a televisão. Com o avanço da tecnologia, a reprodução e o alcance das comunicações passaram a abranger virtualmente todo o planeta.
Esse apelo à imagem já podia ser notado na Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918. Ele foi fundamental para a criação de um espírito nacionalista nos dois lados em luta. Um recurso muito utilizado na Primeira Guerra foi a reprodução de milhares de cartazes para estimular o alistamento e pedir contribuições em dinheiro e em horas de trabalho pelo chamado "bem da pátria". Não por acaso, a propaganda visual tornou-se uma das partes centrais da monumental máquina de guerra de Adolf Hitler.
O ministro da Propaganda, Josef Goebbels, foi peça-chave do esquema nazista durante a Segunda Guerra, entre 1939 e 1945. Nas mensagens publicitárias e filmes produzidos sob orientação dele, as imagens depreciavam de forma explícita os judeus, os comunistas e outros inimigos do nazismo. Na verdade, o auge da utilização bélica da imagem aconteceu durante a Guerra Fria. No lugar dos mísseis, disparavam-se as armas da propaganda. Em vez de ogivas nucleares, detonavam-se mensagens persuasivas elaboradas cuidadosamente. Os objetivos eram ganhar a simpatia da opinião pública e procurar convencer o outro lado de sua superioridade militar.
Esse apelo à imagem já podia ser notado na Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918. Ele foi fundamental para a criação de um espírito nacionalista nos dois lados em luta. Um recurso muito utilizado na Primeira Guerra foi a reprodução de milhares de cartazes para estimular o alistamento e pedir contribuições em dinheiro e em horas de trabalho pelo chamado "bem da pátria". Não por acaso, a propaganda visual tornou-se uma das partes centrais da monumental máquina de guerra de Adolf Hitler.
O ministro da Propaganda, Josef Goebbels, foi peça-chave do esquema nazista durante a Segunda Guerra, entre 1939 e 1945. Nas mensagens publicitárias e filmes produzidos sob orientação dele, as imagens depreciavam de forma explícita os judeus, os comunistas e outros inimigos do nazismo. Na verdade, o auge da utilização bélica da imagem aconteceu durante a Guerra Fria. No lugar dos mísseis, disparavam-se as armas da propaganda. Em vez de ogivas nucleares, detonavam-se mensagens persuasivas elaboradas cuidadosamente. Os objetivos eram ganhar a simpatia da opinião pública e procurar convencer o outro lado de sua superioridade militar.
A propaganda ideológica
Na Guerra Fria, os temas da propaganda ideológica eram complexos porque envolviam ideais distintos de vida, democracia e felicidade. No bloco soviético, por exemplo, esses ideais refletiam o processo político desencadeado com a Revolução de 1917.
Leon Trotsky, líder do Exército Vermelho | A União Soviética surgiu em 1922, dentro dos planos da Revolução Russa liderada por Vladimir Lênin e Leon Trotsky. Os bolcheviques idealizavam uma sociedade igualitária, com direitos e deveres iguais para todos, sem a exploração do homem pelo homem. O Estado passaria a proprietário das terras, da grande indústria e dos bancos. Uma sociedade sem desigualdades e sem classes sociais. |
Mas a Rússia de 1917 era um país essencialmente rural. Era necessário realizar um salto tecnológico, como forma de se criar empregos. Segundo Lênin, o sucesso do socialismo dependia do sucesso do programa de industrialização do país. Essa imagem, associando felicidade e produção industrial, perduraria por toda a existência da União Soviética. Nos primeiros anos da revolução, a indústria do cinema soviético já aparecia como um veículo de reforço dos ideais socialistas. Foram produzidos filmes como o clássico "O Encouraçado Potemkin" e "O Fim de São Petersburgo".
O realismo socialista
A partir dos anos 30, a imagem que a União Soviética fazia de si mesma era moldada por uma corrente estética denominada Realismo Socialista. Ela surgiu durante um congresso de escritores em 1934, com a participação de Máximo Gorki. A corrente deveria consagrar a arte como canal de expressão dos princípios marxistas. Os artistas passaram a buscar inspiração no folclore nacional e na vida simples do operário e do camponês. Em pouco tempo, no entanto, as diretrizes do congresso tornariam-se instrumento político nas mãos de Josef Stalin.
O Realismo Socialista condenava a arte abstrata, considerada um símbolo da decadência capitalista. Também não aceitava o jazz e outros gêneros musicais que incorporavam a sensualidade. Para os soviéticos, essas manifestações artísticas evidenciavam uma sociedade deteriorada. A rigidez na vida cultural soviética, no entanto, não afetou o exercício de uma das atividades em que os russos sempre alcançaram níveis de excelência: a dança clássica. O Balé Bolshoi, uma das companhias de dança mais tradicionais do mundo, manteve suas produções de obras clássicas do século XIX, e apresentava-se com grande sucesso nos palcos dos países ocidentais.
O Realismo Socialista condenava a arte abstrata, considerada um símbolo da decadência capitalista. Também não aceitava o jazz e outros gêneros musicais que incorporavam a sensualidade. Para os soviéticos, essas manifestações artísticas evidenciavam uma sociedade deteriorada. A rigidez na vida cultural soviética, no entanto, não afetou o exercício de uma das atividades em que os russos sempre alcançaram níveis de excelência: a dança clássica. O Balé Bolshoi, uma das companhias de dança mais tradicionais do mundo, manteve suas produções de obras clássicas do século XIX, e apresentava-se com grande sucesso nos palcos dos países ocidentais.
O socialismo se representando em arte | "O Realismo Socialista tinha, sobretudo, uma função política. A arte realista socialista tinha a função de glorificar o sistema soviético, em particular o seu líder, que até 1953 era Josef Stalin. Inúmeros quadros, filmes e livros dessa época mostram Stalin como um sábio, o Pai dos Povos, um homem justo, acima do bem e do mal.O Realismo Socialista eliminou a separação entre arte, partido e Estado. |
Nesse sentido, é muito parecido ao que Hitler fez na Alemanha."
José Arbex Jr.
jornalista
jornalista
O self-made-man nos Estados Unidos
No lado capitalista, as coisas tomaram um rumo diametralmente oposto. Nos Estados Unidos, o ideal de felicidade tem sido, há muitos anos, quase sinônimo de riqueza e bem-estar individuais. É o chamado ideal do self-made-man. Um dos primeiros símbolos desse ideal foi o automóvel. Para muitos americanos do início do século não havia felicidade sem um carro na garagem. Um homem, em particular, teve grande influência na construção do modo de vida americano: Henry Ford, o criador da linha de produção em série do automóvel.
Na América sempre se valorizou o esforço individual em busca da felicidade, recompensado pelo consumo de bens que podem tornar a vida mais amena e prazerosa. O apego aos bens de consumo foi levado ao extremo com o 'boom' industrial logo após a Primeira Guerra Mundial. Os Estados Unidos saíram-se vencedores do conflito, e com uma indústria trabalhando a todo vapor. Algumas estimativas calculam em 9 milhões o número de automóveis em circulação pelas ruas e estradas da América, em 1920. Na época, o rádio ocupava lugar nobre da sala de estar dos lares norte-americanos. A revolução tecnológica começava a ganhar corpo junto com as transformações no universo das artes e espetáculos.
Na América sempre se valorizou o esforço individual em busca da felicidade, recompensado pelo consumo de bens que podem tornar a vida mais amena e prazerosa. O apego aos bens de consumo foi levado ao extremo com o 'boom' industrial logo após a Primeira Guerra Mundial. Os Estados Unidos saíram-se vencedores do conflito, e com uma indústria trabalhando a todo vapor. Algumas estimativas calculam em 9 milhões o número de automóveis em circulação pelas ruas e estradas da América, em 1920. Na época, o rádio ocupava lugar nobre da sala de estar dos lares norte-americanos. A revolução tecnológica começava a ganhar corpo junto com as transformações no universo das artes e espetáculos.
"Depois da Primeira Guerra Mundial surgiram uma nova geração e novas coletividades, que passaram a integrar a cena histórica e que criaram uma cultura toda baseada em representações do novo, do moderno, do jovem.
Nesse sentido, sentiam-se muito mais expressos nos seus valores através de novas formas de música fortemente ritmadas - ou sincopadas -, como o jazz das big bands e das jazz bands. Ou através de uma forma de arte que representava plenamente o milagre mecânico do século XX, como era o cinema. Houve também o 'boom' das atividades esportivas nesse período (...) e o advento das danças modernas, representadas por figuras | O retorno à natureza na dança |
como Isadora Duncan, trazendo a idéia de um retorno à natureza e à condição espontânea do corpo. Ou como Josephine Baker, lembrando as energias mais profundas que nascem das pulsões eróticas e da agressividade.(...) Nesse sentido, o que a sociedade pretendia era ver-se a si mesma como grande espetáculo. Em todos os níveis do cotidiano houve mudanças. Surgia uma nova sociedade de consumo. (...) A sensação é de que se vivia um tempo de euforia, que nada mais tinha a ver com o momento pregresso, o momento de atraso representado pelo século XIX e pelas sociedades fechadas anteriores."
Nicolau Sevcenko
historiador da cultura - USP
historiador da cultura - USP
Nos anos 20, as novas dimensões da estrutura econômica e cultural, ao lado da simplificação do serviço doméstico, ampliaram a presença da mulher num mercado de trabalho cada vez mais dinâmico e competitivo. Os costumes também se modificaram: as mulheres começaram a se livrar das roupas pesadas e cheias de enfeites, adotando saias e vestidos mais curtos, simples e sóbrios.Já temos, até aqui, os principais elementos culturais e ideológicos que marcariam as imagens dos dois blocos econômicos durante toda a Guerra Fria. Do lado soviético, a ênfase estava no controle estatal dos meios de produção, no desenvolvimento das máquinas, na concepção coletiva de vida. Do lado ocidental, a atenção maior estava no indivíduo, no mercado de consumo, na busca individual da felicidade.
Surge a Televisão
Todas as diferenças entre os dois blocos, no entanto, podem parecer menores quando entra em cena a força da TELEVISÃO: o interesse dos governantes pela TV sempre foi o mesmo, de Washington a Moscou.
Nos anos 30, a TV marca uma nova era | O advento da televisão, no final dos anos 30, modificou completamente as formas de comunicação no mundo. Muitos historiadores e estudiosos de comunicações acreditam que a chegada da TV marcou o início de uma nova era. A transmissão instantânea da imagem a distância combinava muito bem com as necessidades de uma sociedade cada vez mais consumista, no lado ocidental. |
E servia também aos propósitos explícitos de veículo de propaganda política, no lado socialista. De um modo geral, governantes dos dois lados sempre apreciaram o uso da TV para seus pronunciamentos. Quando os soviéticos lançaram o Sputnik, o primeiro satélite a girar em órbita da Terra, em outubro de 1957, o pequeno aparelho levava uma única mensagem: "O comunismo será o grande vencedor".
Em 61, Yuri Gagarin foi recebido como herói em seu país ao se tornar o primeiro homem a viajar numa nave em órbita da Terra. A resposta norte-americana veio no final da década. Em julho de 1969, Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar o solo da lua. E, consolidando a conquista aos olhos do mundo, fincou em solo lunar a bandeira dos Estados Unidos. O evento foi transmitido ao vivo pela TV, para uma audiência estimada em 1 bilhão de pessoas.
Dos anos 50 até meados da década de 80, a propaganda soviética dava destaque à miséria existente nos países ocidentais. Apontava a prostituição, a pornografia, o narcotráfico, o desemprego e a corrupção como sintomas típicos da decadência da sociedade capitalista. Esses desvios não eram admitidos oficialmente pela União Soviética. Os filmes da época, quando se referiam ao próprio país, mostravam imagens idealizadas de um povo feliz. No Ocidente, a produção de imagens durante a Guerra Fria foi um processo mais complicado e contraditório. A própria natureza liberal dos regimes políticos dos Estados Unidos e da maior parte da Europa não deixava espaço para o surgimento de um fenômeno cultural restritivo como o Realismo Socialista.
Em 61, Yuri Gagarin foi recebido como herói em seu país ao se tornar o primeiro homem a viajar numa nave em órbita da Terra. A resposta norte-americana veio no final da década. Em julho de 1969, Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar o solo da lua. E, consolidando a conquista aos olhos do mundo, fincou em solo lunar a bandeira dos Estados Unidos. O evento foi transmitido ao vivo pela TV, para uma audiência estimada em 1 bilhão de pessoas.
Dos anos 50 até meados da década de 80, a propaganda soviética dava destaque à miséria existente nos países ocidentais. Apontava a prostituição, a pornografia, o narcotráfico, o desemprego e a corrupção como sintomas típicos da decadência da sociedade capitalista. Esses desvios não eram admitidos oficialmente pela União Soviética. Os filmes da época, quando se referiam ao próprio país, mostravam imagens idealizadas de um povo feliz. No Ocidente, a produção de imagens durante a Guerra Fria foi um processo mais complicado e contraditório. A própria natureza liberal dos regimes políticos dos Estados Unidos e da maior parte da Europa não deixava espaço para o surgimento de um fenômeno cultural restritivo como o Realismo Socialista.
Caça às bruxas: o macartismo
Em nome dos valores democráticos, no entanto, surgiu o macartismo, um movimento conservador que estremeceu os Estados Unidos nos anos 50.
Charles Chaplin em ação no cinema | O senador Joseph McCarthy desencadeou uma feroz campanha anticomunista, levando dezenas de artistas, produtores e intelectuais à falência e ao desespero. Muitos entraram na lista negra apenas por serem suspeitos de pertencer ao Partido Comunista ou de simpatizar com os ideais socialistas. Um dos alvos dessa campanha foi Charles Chaplin. Perseguido pelo FBI, a polícia federal norte-americana, por causa de seus filmes de temática humanista, Chaplin acabou deixando os Estados Unidos em 1952. |
Os anos 60 e a revolução dos costumes
A histeria anticomunista foi substituída, na mídia do início dos anos 60, por manifestações contra o racismo e pelo fim da guerra do Vietnã. Nesse clima de contestação surgiu um movimento pacifista chamado genericamente de "flower power".Os Estados Unidos e a Europa passaram por uma profunda mudança de costumes, com o rock de Elvis Presley, Beatles e Rolling Stones. O feminismo também ganhou força na América. Esse panorama de agitação cultural preparou o clima de magia de 1968, ano em que os principais valores estabelecidos começaram a ser postos em questão.
Em maio de 68, universitários franceses organizaram manifestações nas ruas de Paris. Inspirados pelas teorias do pensador marxista alemão Herbert Marcuse, os jovens franceses protestavam contra os "valores hipócritas de uma sociedade injusta e atrasada". O filósofo Jean-Paul Sartre e sua mulher Simone de Beauvoir juntaram-se às manifestações de jovens e trabalhadores. Os principais intelectuais da geração de Sartre receberam o impacto da Revolução Cultural de Mao Tsetung, na China, servindo de inspiração para filmes como "A Chinesa", realizado em 1967 pelo cineasta Jean-Luc Godard.
Na mesma época estourava, na antiga Tchecoslováquia, Europa Oriental, uma série de manifestações populares que exigiam mudanças no país. Os checos saíram às ruas para lutar pela independência do país no Pacto de Varsóvia, e contavam com a simpatia do novo dirigente do Partido Comunista, Alexander Dubcek. Nos dois blocos, os sistemas vigentes trataram de conter os movimentos de oposição. Essa reação culminaria com o atentado que matou, em abril de 68, nos Estados Unidos, o líder negro Martin Luther King. Na França, a repressão e outras ações do governo desarticularam o movimento dos estudantes.
Em agosto, tanques soviéticos começaram a tomar as ruas da capital da Tchecoslováquia para pôr fim a um período liberal conhecido como "Primavera de Praga".No Brasil, o movimento estudantil, as lideranças sindicais e os meios artísticos e intelectuais lutavam contra o regime militar instalado em março de 1964. É dessa época o surgimento da Tropicália, uma proposta musical de conotação libertária, e os festivais, onde a chamada "música de protesto" encontrava grande aceitação popular. As manifestações contrárias ao governo eram reprimidas através das armas e das leis de exceção, como o Ato Institucional número 5, criado em dezembro de 1968 para tolher os direitos de livre manifestação e expressão.Na América, como na Europa, foram conquistados novos espaços de participação política e cultural.
O evento mais significativo desse momento foi o Festival de Woodstock, realizado em agosto de 69 em uma fazenda no estado de Nova York. Cerca de 500 mil jovens conviveram por 3 dias em clima de paz e harmonia, no auge da pregação em torno do sexo, drogas e rock'n'roll.A mensagem dos jovens norte-americanos, simbolizada por Woodstock, não se encaixava na lógica da Guerra Fria. Por um lado, essa mensagem criticava o capitalismo, mas por outro lado não apoiava o autoritarismo dos regimes socialistas. Condenava a guerra do Vietnã, mas desaprovava também a luta armada pela conquista do poder, preconizada pelos comunistas. Woodstock foi o momento mais representativo daquilo que hoje chamamos de "contracultura".
Em maio de 68, universitários franceses organizaram manifestações nas ruas de Paris. Inspirados pelas teorias do pensador marxista alemão Herbert Marcuse, os jovens franceses protestavam contra os "valores hipócritas de uma sociedade injusta e atrasada". O filósofo Jean-Paul Sartre e sua mulher Simone de Beauvoir juntaram-se às manifestações de jovens e trabalhadores. Os principais intelectuais da geração de Sartre receberam o impacto da Revolução Cultural de Mao Tsetung, na China, servindo de inspiração para filmes como "A Chinesa", realizado em 1967 pelo cineasta Jean-Luc Godard.
Na mesma época estourava, na antiga Tchecoslováquia, Europa Oriental, uma série de manifestações populares que exigiam mudanças no país. Os checos saíram às ruas para lutar pela independência do país no Pacto de Varsóvia, e contavam com a simpatia do novo dirigente do Partido Comunista, Alexander Dubcek. Nos dois blocos, os sistemas vigentes trataram de conter os movimentos de oposição. Essa reação culminaria com o atentado que matou, em abril de 68, nos Estados Unidos, o líder negro Martin Luther King. Na França, a repressão e outras ações do governo desarticularam o movimento dos estudantes.
Em agosto, tanques soviéticos começaram a tomar as ruas da capital da Tchecoslováquia para pôr fim a um período liberal conhecido como "Primavera de Praga".No Brasil, o movimento estudantil, as lideranças sindicais e os meios artísticos e intelectuais lutavam contra o regime militar instalado em março de 1964. É dessa época o surgimento da Tropicália, uma proposta musical de conotação libertária, e os festivais, onde a chamada "música de protesto" encontrava grande aceitação popular. As manifestações contrárias ao governo eram reprimidas através das armas e das leis de exceção, como o Ato Institucional número 5, criado em dezembro de 1968 para tolher os direitos de livre manifestação e expressão.Na América, como na Europa, foram conquistados novos espaços de participação política e cultural.
O evento mais significativo desse momento foi o Festival de Woodstock, realizado em agosto de 69 em uma fazenda no estado de Nova York. Cerca de 500 mil jovens conviveram por 3 dias em clima de paz e harmonia, no auge da pregação em torno do sexo, drogas e rock'n'roll.A mensagem dos jovens norte-americanos, simbolizada por Woodstock, não se encaixava na lógica da Guerra Fria. Por um lado, essa mensagem criticava o capitalismo, mas por outro lado não apoiava o autoritarismo dos regimes socialistas. Condenava a guerra do Vietnã, mas desaprovava também a luta armada pela conquista do poder, preconizada pelos comunistas. Woodstock foi o momento mais representativo daquilo que hoje chamamos de "contracultura".
"A chamada "cultura jovem" vem de longe, vem dos anos 50, com os beatniks. (...) A fusão da coisa beat com a cultura pop dos Beatles, dos Rolling Stones e dos grupos novos da Califórnia, mais o underground que surgia com Andy Warhol em Nova York e o advento do LSD nas universidades, por volta de 1967, tudo isso proporcionou o que ficou conhecido como "Verão do Amor". (...)
Antonio Bivar e a famosa obra de Warhol | Paralelamente, foram acontecendo o movimento feminista - que ganhava força na época -, o 'black power', o movimento de liberação gay e uma série de outros movimentos que receberam o nome de contracultura.(...)Uma das coisas mais curiosas desse movimento contracultural é a arte de Andy Warhol (...). Além de descobrir a arte pop, ele tinha uma cabeça para impactar. |
Quando ele fez o quadro da lata de sopa Campbell, aquilo era um nada, mas um nada que ficou sendo maior que a vida, porque ninguém nunca tinha feito aquilo.(...) Em 1967, paralelo ao Verão do Amor, teve o Festival de Monterey, na Califórnia, onde apareceu pela primeira vez a Janis Joplin, e onde tocaram Jimi Hendrix e Mamas & Papas. Esse festival foi a primeira vontade que havia de fazer um festival maior, que culminaria, dois anos depois, no festival de Woodstock, perto de Nova York, e que foi o ápice da coisa contracultural (...). Era a época do jovem se dizer ‘drop-out’, de cair fora da universidade, de sair pela estrada, mochila, carona, de viver e dormir onde desse... Esse espírito aberto, essa confiança de que qualquer porta seria aberta para um hippie de bom coração, isso espalhou-se pelo mundo. E junto a isso tudo formou-se uma indústria, já que havia consumidores para toda essa nova onda (...). Quer dizer, por trás de toda essa coisa contra o sistema, contra a guerra, havia uma indústria faturando em cima."
Antonio Bivar
escritor e jornalista
escritor e jornalista
A Guerra Fria no esporte
A relativa liberdade de opinião e expressão nos países capitalistas oferecia um contraste notável com a rigidez adotada pelo socialismo, e era considerada um dos grandes trunfos do sistema de mercado. Talvez por essa razão, a turbulência das idéias no mundo capitalista conseguia conviver com a guerra fria das imagens promovida pelos ideólogos dos dois sistemas.Uma das arenas favoritas da guerra das imagens era o esporte, em particular os Jogos Olímpicos e os campeonatos mundiais de xadrez. A utilização do esporte para fins ideológicos em nosso século, no entanto, é anterior à Guerra Fria.
Em 1936, o atleta norte-americano Jesse Owens conquistara 4 medalhas de ouro nas Olimpíadas de Berlim. Um duro golpe nos planos de Hitler, que pretendia fazer dos Jogos uma demonstração da propalada superioridade da raça ariana. O ditador teria ficado ainda mais contrariado pelo fato de Jesse Owens ser negro.Durante os anos da Guerra Fria, o acúmulo de medalhas olímpicas serviu para mostrar, no plano simbólico, a suposta primazia de um sistema sobre o outro. Esse tipo de confrontação simbólica atingiu o ponto máximo nas Olimpíadas de Moscou, em 1980, e nas de Los Angeles, em 84. As competições foram prejudicadas pelo boicote das superpotências: em 80, os norte-americanos e alguns aliados ausentaram-se dos Jogos, em protesto contra a invasão do Afeganistão. Em represália, quatro anos depois foi a vez de o bloco socialista não comparecer à competição de Los Angeles.Os campeonatos mundiais de xadrez também eram por excelência um palco de confronto ideológico. A própria Guerra Fria pode ser comparada ao jogo de xadrez, em que um adversário só pode aplicar um xeque-mate simbólico no outro. O poder de destruição nuclear acumulado pelas superpotências era de tal forma aniquilador que já não fazia sentido um enfrentamento real. Por isso, o xadrez da Guerra Fria tinha o título de "equilíbrio do terror".
Em 1936, o atleta norte-americano Jesse Owens conquistara 4 medalhas de ouro nas Olimpíadas de Berlim. Um duro golpe nos planos de Hitler, que pretendia fazer dos Jogos uma demonstração da propalada superioridade da raça ariana. O ditador teria ficado ainda mais contrariado pelo fato de Jesse Owens ser negro.Durante os anos da Guerra Fria, o acúmulo de medalhas olímpicas serviu para mostrar, no plano simbólico, a suposta primazia de um sistema sobre o outro. Esse tipo de confrontação simbólica atingiu o ponto máximo nas Olimpíadas de Moscou, em 1980, e nas de Los Angeles, em 84. As competições foram prejudicadas pelo boicote das superpotências: em 80, os norte-americanos e alguns aliados ausentaram-se dos Jogos, em protesto contra a invasão do Afeganistão. Em represália, quatro anos depois foi a vez de o bloco socialista não comparecer à competição de Los Angeles.Os campeonatos mundiais de xadrez também eram por excelência um palco de confronto ideológico. A própria Guerra Fria pode ser comparada ao jogo de xadrez, em que um adversário só pode aplicar um xeque-mate simbólico no outro. O poder de destruição nuclear acumulado pelas superpotências era de tal forma aniquilador que já não fazia sentido um enfrentamento real. Por isso, o xadrez da Guerra Fria tinha o título de "equilíbrio do terror".
Cai o muro
Na verdade, uma das imagens mais contundentes da Guerra Fria aconteceu apenas em novembro de 1989, com a queda do Muro de Berlim. O fim do muro foi fruto de um processo que se originou em abril de 85, com a ascensão de Mikhail Gorbatchev à chefia do Partido Comunista da União Soviética.
Aos poucos, Gorbatchev foi dando forma a um conjunto de mudanças democratizantes, acompanhadas de uma nova política de relações exteriores. As transformações chegaram à Europa do Leste, incluindo a Alemanha Oriental e sua capital, Berlim. Com a queda do muro, a turbulência cultural do mundo capitalista inundou a União Soviética e seus aliados europeus.
Ao fundo, loja do ícone norte-americano | Talvez seja uma imagem representativa do início de uma nova ordem mundial: o "M", conhecidíssimo símbolo do McDonald's, colocado bem diante da estátua de Alexander Pushkin, o maior dos poetas da Rússia |
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