A PENA DE MORTE
Pena de morte, consiste na privação da vida do condenado por um delito que a lei sanciona com a referida condenação. Denomina-se, desse modo, pena capital. Atualmente, muitos países admitem a pena de morte apenas em casos excepcionais, como em tempo de guerra e em situações de extrema gravidade. Nos Estados Unidos, existe esta pena em alguns estados.
Primeiramente, é bom lembrar que a Igreja a praticou largamente durante o período da “Santa Inquisição”, contra os hereges, aqueles que ousavam questionar os dogmas da fé. Um dos maiores exemplos disto talvez tenha sido Joana D’arc (já condenada à morte, para transformar sua pena em prisão perpétua, assinou uma abjuração em que prometia, entre outras coisas, não mais vestir roupas masculinas, como forma de demonstrar sua subordinação à Igreja. Dias depois, por vontade própria ou por imposição dos carcereiros ingleses, voltou a envergar roupas masculinas. Condenada à fogueira por heresia, foi supliciada publicamente na praça do Mercado Vermelho, em Rouen, em 30 de maio de 1431). A pena de morte chegou, em determinado momento, a ser completamente banalizada. Drácon, legislador grego, promulgou certo Código que estatuiu pena de morte para todos os crimes. Indagada a razão pela qual sempre previa a pena de morte, de um pequeno furto ao mais terrível dos homicídios, respondeu: “creio que um furto mereça a morte e não encontrei nada mais grave do que a pena de morte para o homicídio. Assim, estou satisfeito que se aplique apenas a pena de morte para os homicidas!” Drácon passou para a História e seu nome, até hoje, é sinônimo de rigor inflexível.
Passemos, doravante, às questões jurídicas em torno do assunto.
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer, sem alarde, que a Constituição Brasileira permite a adoção da pena de morte, em caso de guerra declarada (vide art. 5º, XLVII, que estabelece: “não haverá penas: de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”...).
Logo, em caso de guerra declarada, é possível a pena de morte no Direito Brasileiro. E o Código Penal Militar, para os crimes militares em tempos de guerra, em plena sintonia com a Constituição, prevê a pena de morte em vários de seus artigos (por exemplo, arts. 356, 357, 358, 359 etc).
Uma curiosidade: a forma de execução da pena de morte prevista no Código Penal Militar, é por fuzilamento (Código Penal Militar, art. 56 – “A pena de morte é executada por fuzilamento”), o que, se fosse levado a efeito no Brasil, pela experiência que temos, num dia haveria a arma mas faltaria munição, no outro, que teria munição, a arma não funcionaria, e no terceiro, estando arma e munição em ordem, o atirador teria faltado ao serviço...
Ao permitir a pena de morte somente “em casos de guerra declarada”, a contrario sensu, nossa Constituição não permite a adoção deste tipo de pena em nenhuma outra situação que não aquela acima explicitada (caso de guerra declarada).
Por isto, qualquer Lei que, em tempos de paz, cominasse a um crime comum a pena de morte padeceria pelo vício de ser flagrantemente inconstitucional, não podendo surtir nenhum efeito.
Aprofundemos mais um pouquinho, para finalizar. O art. 5º de nossa Constituição, onde está a garantia de que a pena de morte só possível em caso de guerra declarada, pertence ao rol dos chamados Direitos Fundamentais, expressão maior dos Direitos Humanos. E é claro que o direito à vida é o maior deles.
Nossa Constituição, que permite ser emendada, coloca alguns obstáculos para ser alterada, os quais se encontram em seu art. 60. Interessa-nos aqueles consagrados no § 4º, em especial no inciso IV, deste citado art. 60. Ali estão as chamadas “cláusulas pétreas”, ou seja, pontos da Constituição que não podem ser objeto de emenda tendente a aboli-los. Dentre esses pontos, encontram-se os Direitos e Garantias Individuais, no bojo dos quais está o de que não haverá pena de morte, exceto em caso de guerra declarada.
Logo, uma conclusão há de se impor: a de que não é possível, nem mesmo por emenda à Constituição, adotar-se a pena de morte no Brasil, para os crimes comuns, em tempos de paz.
Nenhuma proposta de emenda à Constituição que pretendesse dispor de modo diverso seria admissível. Não deveria passar nem mesmo pela Comissão de Constituição de Justiça do Congresso Nacional. Mas, se porventura passasse, qualquer ação direta de inconstitucionalidade (que pode ser proposta, dentre outros legitimados, pela OAB, Partido Político etc – vide art. 103 da Constituição Federal), conseguiria junto ao Supremo Tribunal Federal a extirpação de teratológica emenda de nosso mundo jurídico.
Em resumo, na vigência da atual Constituição, é impossível adotar-se a pena de morte tal como se tem querido e discutido. Só uma nova Constituição (uma nova manifestação do chamado Poder Constituinte Originário), fruto do trabalho de uma nova Assembléia Nacional Constituinte para este desiderato convocada, é que poderia permitir a adoção da pena de morte indiscriminadamente, e aí o problema a ser enfrentado seria com o Direito Internacional e os Tratados e Convenções que o Brasil ratificou.
Mas, por derradeiro, podemos afirmar que não há possibilidade jurídica, na vigência desta Constituição, de ser adotada a pena de morte com se quer. A discussão em torno dela só vai ficar mesmo no plano ideológico, nas linhas que procurei traçar e expor minhas idéias no artigo anterior.
O simplismo de considerar a defesa dos direitos humanos a defesa de direitos de criminosos tem de ser desmascarado. Aqueles que defendemos o direito à vida de todos, de todos sem exceção, não podemos ser confundidos com criminosos ou defensores de suas posturas. O que almejamos mesmo é o fim da barbárie e do ódio.
O Estado brasileiro falha diante de seus cidadãos, do berço à sepultura. Más condições de educação e saúde, de moradia, de sobrevida material mesmo, acabam por reduzir o ser humano à situação desesperadora de louco desviante em muitos casos. Há muita gente desesperada por providenciar sua sobrevivência e a dos seus, ainda que para isso tenha de romper com as normas sociais vigentes. Se o Estado brasileiro é o maior responsável pela elevação no índice de criminalidade, particularmente tendo em vista a brutal e dificilmente equiparável, em escala planetária, concentração de renda, o Estado brasileiro carece de condições morais para dizer "quem tem o direito à vida (assegurado na Constituição, por sinal) e quem, por seus crimes, deve ser apenado com a perda deste direito humano básico", até porque o juízo humano é falho, a pena-de-morte é uma punição evidentemente irreversível e o "exemplo" deve vir sempre de cima, jamais dos desesperados. Montar uma fábrica de desesperados e, para "solucionar", montar uma máquina de extermínio de desesperados não me parece racional. É coisa parecida à "Solução Final" dos nazistas...
Como o neocolonialismo nos colocou sob a órbita de influência dos EUA, muitos apreciam citar aquela Nação como exemplo a ser seguido. Talvez a proposta seja válida para alguns casos, mas especificamente na esfera dos direitos humanos há muito pouco a aprender com os ianques. Os EUA são a única Nação do primeiro mundo em que este crime medieval é praticado, quando o Estado mata, com o beneplácito do aparelho judiciário. Mas a justiça norte-americana tem se equivocado em diversos casos de apenamento com a morte. Alguém poderia contra-argumentar que o aparelho judiciário brasileiro seria superior e não cometeria falhas. Será? Somos todos humanos, sujeitos a falhas, portanto.
Segundo a Seção Brasileira da Anistia Internacional, as argumentações contra a pena de morte podem seguir a seguinte direção:
1 - Economia: como se a vida humana pudesse ter um preço, os defensores do assassinato estatal institucionalizado, quando o Estado mata ao invés de promover a vida, "informam" que matar um suposto autor de "crime hediondo" é mais barato que mantê-lo, por exemplo, aprisionado por toda a vida. Falso. As custas de processos, cárcere protegido especial (para evitar linchamentos), apelações, vigias, sacerdotes, maquinário e carrascos custam três vezes mais que um aprisionamento perpétuo do cidadão a ser assassinado, por exemplo. Embora esteja bem claro que a prisão perpétua seja medida mais econômica que a condenação capital, temos de pensar em algo mais humano ainda: a implantação de colônias penais agrícolas, onde o detento poderia custear seu próprio sustento, sem onerar os cofres públicos, os contribuintes e, além do mais, trazer o ressarcimento econômico aos seus erros para com a sociedade. Estaria, e isso é o mais importante, vivo para que eventuais erros judiciários fossem reparados. Grupos de extermínio, claro, não sujeitos a todas estas formalidades, não são onerosos, nem eficientes, nem eticamente dignos de consideração numa análise séria como esta pretende ser.
2 - Intimidação: Há quem creia que, num Estado onde exista a pena capital, o assassinato institucionalizado, o eventual criminoso tenda a "pensar duas vezes" antes de cometer delito hediondo. Antes de mais nada, os fatos apontam na direção contrária: onde a pena de morte é praticada os índices de criminalidade são os mais elevados. Especula-se que o eventual criminoso tenda a eliminar potenciais testemunhas de um delito praticado em momento não refletido de sua vida. Isso, claro, quando o sujeito pára para pensar na besteira que estaria fazendo, o que é raro acontecer. Crimes hediondos, em geral, são praticados por pessoas em estado de total descontrole, provisório ou permanente, de suas faculdades mentais.
Vale a pena ressaltar que na França houve uma significativa diminuição nos índices de criminalidade com a abolição da guilhotina enquanto que no Irã aqueles índices sofreram significativo aumento com a reimplantação da pena de morte após a revolução islâmica. Especula-se neste caso que as pessoas que vivem numa Nação violenta, competente para matar ou deixar viver, tendem a seguir-lhe o exemplo...
3 - Vingança: O mais sórdido e menos ético dos argumentos utilizados pelos defensores do assassinato institucionalizado. Descendo ao nível moral daqueles que qualificam como criminosos, os pregadores da vingança insistem na "Lei de Talião", só possível a não-cristãos, claro, mas que precisa ser considerada também. Ao invés de ansiar e trabalhar pela elevação dos padrões intelectuais e morais das pessoas, aqueles que defendem a implantação da pena de morte pregam um retrocesso do Estado ao nível de barbárie em que se encontram alguns criminosos produzidos, repita-se, por uma ordem social injusta em última análise, desigual e cruel em sua essência. Vale lembrar aqui as palavras do Mahatma Gandhi: "Um olho por um olho acabará por deixar toda a humanidade cega!" É vital deter a propagação do Mal, não expandi-la!
4 - Desumanidade: "O que é que merece alguém que comete um crime hediondo (assalto, estupro ou seqüestro com morte)?" ou "O que é que você faria se algum ente querido seu fosse sordidamente seviciado e assassinado?" Ora bolas, não cabe a ninguém dizer quem é humano e quem, pelos seus crimes, deixou de o ser e com isso perdeu seus direitos! Os nazistas, a quem a história julgou e execrou, agiam assim: primeiro tiravam o status de humano de criminosos comuns, depois de criminosos políticos, depois de pessoas consideradas racialmente inferiores e os iam exterminando a todos. Quanto ao que um homem transtornado por desejos pessoais de vingança faria é um assunto. Outro assunto é o que o Estado lúcido e ponderado, na figura de seus magistrados deve fazer.
5 - Banalidade do Mal: O defensor da pena capital, em geral, não se dá conta de seu grau de comprometimento com a medida que propõe, pensa que, por caber a outros a execução do que propõe já nada mais tem a ver com isso. De novo o modelo nazista: o Führer não se sentia pessoalmente responsável pelo que acontecia fora de seu gabinete acarpetado onde as penas capitais eram decretadas, nem seus oficiais por meramente retransmitir ordens dadas, menos ainda os subalternos por cumprir aquelas ordens, todos burocraticamente distantes uns dos outros. Aqueles que defendem o assassinato institucionalizado no Brasil contemporâneo não querem comprometer-se, mas é preciso demonstrar, por mais chocante que isto possa parecer que cada vez que alguém comete o simples ato de erguer a mão para votar a favor da implantação desta excrescência em nossa legislação está sendo cúmplice em potencial de um assassinato a ser cometido pelo Estado.
A título ainda de reflexão, algumas citações interessantes em torno desta temática:
"Vim ao mundo para que tenham Vida e Vida em abundância!"
Jesus Cristo
"Nunca pode haver uma justificativa para a tortura, ou para tratamentos ou penas cruéis, desumanas e degradantes. Se pendurar uma mulher pelos braços até que sofra dores atrozes é uma tortura, como considerar o ato de pendurar uma pessoa pelo pescoço até que morra?"
Rodolfo Konder
"O que é a pena capital senão o mais premeditado dos assassinatos, ao qual não pode comparar-se nenhum ato criminoso, por mais calculado que seja? Pois, para que houvesse uma equivalência, a pena de morte teria de castigar um delinqüente que tivesse avisado sua vítima da data na qual lhe infligiria uma morte horrível, e que a partir desse momento a mantivesse sob sua guarda durante meses. Tal monstro não é encontrável na vida real."
Albert Camus
"Quando vi a cabeça separar-se do tronco do condenado, caindo com sinistro ruído no cesto, compreendi, e não apenas com a razão, mas com todo o meu ser, que nenhuma teoria pode justificar tal ato."
Leon Tolstói
"Pedirei a abolição da pena de morte enquanto não me provarem a infalibilidade dos juízos humanos."
Marquês de Lafayette
" A pena de morte é um símbolo de terror e, nesta medida, uma confissão da debilidade do Estado."
Mahatma Gandhi
"Mesmo sendo uma pessoa cujo marido e sogra foram assassinados, sou firme e decididamente contra a pena de morte... Um mal não se repara com outro mal, cometido em represália. A justiça em nada progride tirando a vida de um ser humano. O assassinato legalizado não contribui para o reforço dos valores morais."
Coretta Scott King, viúva de Martin Luther King.
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